Por Marcel Barros – presidente da Anapar
Neste ano, a primeira legislação de previdência social brasileira completa 100 anos. A aclamada Lei Eloy Chaves, de 1923, criou a Caixa de Aposentadorias e Pensões dos empregados das empresas ferroviárias, na época fundamentais para o escoamento da produção cafeeira e de minério até os portos. A esmagadora maioria da população continuava sem acesso à aposentadoria, condenada a trabalhar até o final dos dias.
A partir deste marco inicial, a previdência social brasileira incluiu gradativamente segmentos crescentes da população.
Por pressão de sindicatos, na década seguinte foram criadas outras caixas de aposentadoria com custeio patronal e do trabalhador, para atender categorias profissionais como bancários, portuários, servidores públicos, industriários. As Caixas passaram a ser administradas pelo poder público e começaram a garantir também a assistência à saúde. A maioria da população urbana continuava desassistida, assim como os trabalhadores rurais. Em 1940, nada menos que 68% dos brasileiros moravam e trabalhavam na zona rural.
Na década de 1960 as caixas de aposentadoria foram unificadas em um só instituto de previdência, mas a cobertura até o final da ditadura militar, em 1985, era garantida somente para aqueles que contribuíam para o Instituto. O conceito era o de seguro social: somente quem contribuía era atendido.
A derrubada da ditadura e a efervescência do movimento sindical, popular, estudantil e o clamor pela democracia desembocaram na Constituição de 1988, que adotou o conceito de seguridade social, tornando a Previdência Social pública, universal e obrigatória. Foram incluídos os trabalhadores rurais, bastava comprovar tempo de serviço para se aposentar.
Nas décadas seguintes os governos progressistas estenderam a cobertura previdenciária à população de baixa renda, via benefícios de assistência social, aos trabalhadores domésticos e aos chamados microempresários individuais, os milhões de brasileiros que sobrevivem trabalhando de bico, na economia informal.
Graças a subsídios cruzados entre segmentos e gerações e às contribuições patronais, a maioria dos que hoje recebem benefício nada contribuíram ou não recolheram o suficiente para garantir sua aposentadoria: rurais, aposentados por idade, pensionistas, beneficiários de assistência social.
Desde 1988, o custeio é atribuído às empresas – contribuições sobre a folha de pagamento e sobre o lucro e contribuições específicas para o financiamento da seguridade social. De 2003 a 2016 a Previdência Social foi superavitária, com arrecadação turbinada pelo crescimento econômico e pelo aumento do contingente de trabalhadores na economia formal, com carteira assinada e recolhimento previdenciário.
A reforma trabalhista de Temer e a previdenciária de Bolsonaro, o caos econômico provocado pelos dois governos e o crescimento avassalador do trabalho informal, sem contribuição previdenciária, comprometem o financiamento da seguridade social e dificultam o acesso do trabalhador à sua aposentadoria. O número de beneficiários permanece (36 milhões hoje) enquanto a arrecadação vai diminuindo. O governo anterior, inimigo da população, buscava o equilíbrio financeiro excluindo contingentes cada vez maiores, projetando para o futuro a redução do percentual de idosos com acesso a benefícios previdenciários.
Apesar do processo de destruição patrocinado pelos dois últimos governos, cerca de 90% dos idosos acima de 65 anos recebem aposentadoria, pensão ou benefício de assistência social do sistema público ou dos regimes próprios dos servidores. Um nível de cobertura comparável ao de países europeus.
O governo que assumiu em 1º de janeiro deve retomar o caminho de inclusão construído a duras penas nos últimos 100 anos, revendo muitos pontos da reforma previdenciária, para que volte a se tornar de fato universal. Tarefa nada fácil, sabemos.
Além disso, esperamos uma reforma tributária que aumente a taxação de milionários e bilionários, que hoje não pagam imposto sobre dividendos, pagam impostos ridículos sobre ganhos financeiros, propriedades e transmissão de bens por herança, além de contribuir, para o Imposto de Renda, com os mesmos 27,5% de um trabalhador de classe média. Tributação progressiva, taxando os mais ricos para garantir a sobrevivência dos mais pobres.
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