CRPC e o conflito de interesses normalizado

  • 15 de fevereiro de 2023

Por João Paulo de Souza, advogado, consultor jurídico da Anapar. Foi representante dos participantes e assistidos na Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC)

 

Conforme rege o Decreto nº 7.123/2010, o colegiado da Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC) é composto por sete membros titulares e seus respectivos suplentes, com mandato de dois anos, permitida uma única recondução. Quatro membros representam o governo: servidores federais titulares de cargo efetivo, em exercício no Ministério da Previdência, na Previc ou no INSS; e três representantes da sociedade: um indicado pela Abrapp, um pelos patrocinadores e instituidores de planos de benefícios das EFPC, e um pela Anapar. O presidente da CRPC é designado pelo Ministro da Previdência dentre os quatro servidores federais, que além do voto ordinário tem o voto de qualidade no caso de empate. A CRPC deliberará por maioria simples, presentes pelo menos quatro de seus membros.

Uma motivações da Anapar para sugerir que servidores da Previc não possam integrar a CRPC é o fato de que a imensa maioria dos recursos julgados pela CRPC (art. 3º, I,) tem por base os processos iniciados por auto de infração lavrados por fiscais lotados na Diretoria de Fiscalização e Monitoramento (DIFIS) da Previc ou nos escritórios de representação do órgão, decorrente de ações fiscais programadas, ou diretas e específicas, sendo poucos os decorrentes da instauração de inquérito administrativo para apuração de responsabilidades, e raríssimos os recursos decorrentes de processos de impugnação do lançamento tributário da TAFIC (art. 3º, II), instituída pelo art. 12 da Lei nº 12.154/2009.

O julgamento desses processos, em primeira instância administrativa, é feito pela Diretoria Colegiada (DICOL) da Previc, com o auxílio de órgãos internos, notadamente a Coordenação-Geral de Suporte à Diretoria Colegiada (CGDC) da DICOL. Portanto, o exercício do poder fiscalizatório e sancionatório estatal da Previc, no que diz respeito ao julgamento das infrações e à aplicação das penalidades cabíveis, se esgota com a decisão da DICOL proferida no processo administrativo, aí incluído os pedido de reconsideração interposto simultaneamente ao recurso voluntário pelo autuado, e a remessa necessária (também chamado recurso de ofício) da própria DICOL à CRPC no caso em que o auto de infração que deu início ao processo for anulado ou julgado improcedente.

Dessa forma, os recursos voluntário e de ofício à CRPC atendem ao princípio do duplo grau de jurisdição, e sua decisão encerra a instância administrativa. As decisões da CRPC são irrecorríveis. Portanto, a presença da Previc, por meio de servidores, no Colegiado da CRPC, julgando em última instância administrativa os recursos voluntários ou os de ofício contra próprias decisões, viola o princípio do duplo grau de jurisdição.

Outro fator invocado como motivação tem a ver com as hipóteses de impedimento, mais especificamente as inscritas nos incisos II e IV do caput, c/c a regra do § 1º do art. 42 do Decreto 7.123/10. O inciso II impede o membro da CRPC de votar em processo do qual tenha participado em qualquer de seus procedimentos, ou de seu julgamento, no âmbito da Previc. Ora, nem sempre há registro das atividades realizadas nos processos instaurados, instruídos e julgados pelos servidores públicos que exercem cargos, funções e atividades da superintendência, o que, afora se houver autodeclaração, impossibilita o autuado de exercer o direito de arguir o impedimento, por ocasião do julgamento na CRPC.

O inciso IV expressa que há impedimento no caso em que o membro da CRPC tenha ou possa ter interesse pessoal, direto ou indireto, no julgamento do recurso. Também se não houver autodeclaração de impedimento do servidor público, a própria situação de subordinado à DICOL ou a órgão da estrutura básica da Previc, implica ou pode acarretar interesse pessoal indireto que pode influenciar na decisão, justamente porque a subordinação funcional, jurídica ou econômica pode causar senão medo ou interesse pelo menos precaução contra idiossincrasias dos superiores, no caso de terem suas ordens desobedecidas ou decisões contestadas. Aliás, recentemente se ouviu dizer de viva voz: “Um manda e outro obedece, e pronto. É simples assim!” Ou como afirma o dito popular: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo!” E juízo é, pois, interesse indireto.

Ademais, em qualquer dessas ou de outras hipóteses de impedimento alinhadas nos incisos do caput do art. 42, no seu § 3º estampa a norma de que o impedimento relativo ao titular estende-se ao suplente e vice-versa. O pior disso tudo é que, sendo o suplente servidor público federal efetivo pertencente a órgão subordinado ou vinculado ao Ministério da Previdência, na qualidade de titular ou suplente, o impedimento devido às causas previstas nos incisos II e IV poderia ser evitado, inclusive para efeito de quórum da CRPC, que exige a presença de pelo menos quatro de seus membros. Não poucas vezes, o impedimento de servidor da Previc de participar do julgamento implica no empate de votos, o que obriga, pelas regras atuais, a decisão tomada por voto de qualidade do presidente do Colegiado.

Também é verdade que o exercício do mandato na CRPC não é remunerado. Mas é considerado serviço público relevante e, por isso, conta pontos nas avaliações realizadas durante a carreira no serviço público federal. Logo, a designação de servidor efetivo em exercício na Previc, ainda que não ocorra a hipótese de impedimento do indigitado inciso I, constitui, por si só, pelo menos do ponto de vista ético-moral uma vantagem cabível na senda do interesse pessoal indireto, o que pode também configurar um conflito de interesses, e suscitar a arguição de impedimento, se não declarado pelo membro, com base no art. 42, inciso IV do Decreto nº 7.123/2010.

Ressalta-se que o inciso I do § 1º do art. 15 da Lei nº 12.154 não reserva, necessariamente, à Previc a designação de seus servidores para a CRPC. Trata-se de uma alternativa. Caso não haja citação expressa, mesmo sendo órgão vinculado ao Ministério da Previdência, não seria afronta à lei se o Decreto nº 7123/2010 fosse alterado para excluir a designação ministerial de servidores públicos federais efetivos em exercício em qualquer órgão da estrutura básica da Previc da composição da CRPC. Bastaria para isso vontade política da autoridade competente de resolver um entrave tão prejudicial ao exercício regular do direito dos cidadãos afetados.

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