Retirada de patrocínio não respeita o direito adquirido do participante

  • 15 de setembro de 2023

Por Antônio Braulio de Carvalho, diretor de Administração e Finanças da Anapar

Como diz o adágio popular, a inventividade humana não tem limites. Em recente leitura de uma peça jurídica, mais especificamente, de um mandado de segurança civil, vi algumas passagens que são, no mínimo, curiosas, senão uma afronta à inteligência alheia.

Diz o causídico que “A retirada de patrocínio é direito potestativo da patrocinadora, cuja faculdade é prevista no artigo 202, caput da Constituição Federal. A decisão a respeito de se retirar ou não o patrocínio depende apenas de ato de vontade da patrocinadora, que não será́ validada ou julgada pela PREVIC, tampouco pelos participantes e assistidos ou dos órgãos deliberativos da EFPC.”

A ignorância do judiciário em relação às questões previdenciárias – principalmente, àquelas relacionadas ao regime de previdência privada – é facilmente confirmada nas suas mais diversas decisões estapafúrdias. Mas, nesse caso, parecia haver recordista superação: desprezo pela relação contratual estabelecida; estabelecimento de uma condição de prevalência do patrocinador, que não possui amparo constitucional, legal ou normativo; cassação da autoridade legal da Previc no licenciamento das operações da espécie e consequente destruição da Lei Complementar nº 109/2001.

Fui então verificar o que é este tal direito potestativo. Encontrei o seguinte conceito: “De acordo com a doutrina jurídica, Direito Potestativo é um direito considerado incontroverso, sobre o qual não cabem discussões. Em outras palavras, é aquele que ao qual a parte se submete ao seu exercício, sem poder contestá-lo”.

Inconformado com o poder absoluto que se afirma ser dado aos patrocinadores, fui, então, analisar o que diz o citado artigo 202, caput da Constituição Federal. Vejamos: “Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998).”

Alentado com a constatação de que no artigo citado, caput, nem em outros que se possa recorrer, a nossa Carta Magna não teria cometido esse desatino, passo a refletir sobre o que leva algumas pessoas a acreditarem e defenderem essa visão ditatorial. Penso, primeiramente, que a responsabilidade é integral do Estado, quando, nos anos passados, os dirigentes da própria Previc deram guarida total a esse tipo de interpretação. Penso, ainda, que este instituto que foi previsto como exceção, para os casos de dificuldade extremas, tais como concordata, falência, etc., se tornou regra e passa a funcionar como balizador da lucratividade das empresas.

Perguntas sem respostas: como ficam os participantes que acreditaram nesse sistema durante uma vida inteira de trabalho e agora se encontram na iminência de ficar desamparados? Como algum trabalhador pode aderir a um sistema que se comporta dessa forma com os antigos e atuais participantes? Com que moral alguém pode defender a previdência complementar no Brasil com este tipo de comportamento?

Este tema está em discussão no Grupo de Trabalho de revisão das normas da previdência complementar fechada, criado pelo Decreto 11.543/2023. Naquele fórum alguns membros repetem a mesma cantilena. Os representantes indicados pela Anapar tentam defender, no mínimo, o óbvio, qual seja: a convicção de que os direitos dos participantes e assistidos devem ser respeitados e preservados e aí, sim, respaldados no que estabelece claramente o comando legal que rege a matéria.

A Lei Complementar n° 109/2001, em seu Art. 17, define que as alterações processadas nos regulamentos dos planos de benefícios aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de cada participante.

Adicionalmente, o parágrafo único deste mesmo artigo estabelece que, ao participante que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano de benefícios, é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria. Tal condição é reforçada pelo § 1º do Artigo 68, da lei 109/2001, ao prever que os benefícios serão considerados direito adquirido do participante quando implementadas todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas no regulamento do respectivo plano de benefícios.

No âmbito dos processos de retirada de patrocínio, os direitos adquiridos são solenemente desrespeitados, principalmente quando se trata de assistidos que possuam renda vitalícia. Nesse caso, admite-se a absurda tese da “monetização da longevidade”, quando a expectativa de vida de cada assistido é estimada e calculada em termos monetários, observadas as particularidades previstas na Resolução CNPC n° 53/2022, como a garantia de 60 meses, no mínimo, a título de sobrevida na apuração da reserva matemática.

Essa garantia, na prática, pouco representa, posto que a apuração dos encargos atuariais em planos de renda vitalícia ocorre com base em conta coletiva e todos os consequentes efeitos compensatórios de natureza atuarial. O mais provável é que os participantes não receberão, nem o mínimo de cinco anos de renda, principalmente aqueles que ocupam a faixa etária mais elevada, tecnicamente qualificados pela infeliz denominação de risco expirado.

E não é preciso ser especialista na matéria para perceber o prejuízo que estes processos de retiradas estão dando aos trabalhadores. Basta buscar no mercado uma condição equivalente à oferecida pelo plano, para constatar que o direito ao beneficio vitalício será reduzido a, aproximadamente, 60% do valor recebido. Concluindo, as empresas estão se apropriando de um lucro indevido de 40%, em média.

Assim, até é possível entender o porquê do tal “Direito Potestativo”: para o patrocinador, é um grande negócio, somente obtido por meio do flagrante desrespeito ao direito adquirido – e ignorância judicial – aos comandos constitucionais, legais e normativos que regem a matéria, em absoluto prejuízo para participantes e assistidos.

 

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